segunda-feira, 13 de janeiro de 2014


MPeL7 - Disciplina Educação da Sociedade em Rede

Tópico 5 - A virtualização das relações sociais

@tividade 4 - Autenticidade e Transparência na rede”.

Nota: Utilizaremos o formato Pergunta & Resposta (P&R) para desenvolver este tópico. O anexo complementa as ideais apresentadas

·          Professor António Teixeira: “O fenómeno dos Chinese Boys constituiu um tremendo sucesso internacional típico da rede social You Tube e que só o advento desta tornou possível (cerca de 15 milhões de visualizações em 8 anos)…”

Parte I - O fenómeno dos Chinese Boys

Pergunta (P) - Pela análise do registo, torna-se evidente a confusão entre distintos valores culturais e societais que caracteriza o mundo virtual da rede. Nesta comédia de enganos, quem é afinal quem?

Resposta ® –  Os Chinese Backstreet Boys são apenas mais um grupo de jovens que gostam de cantar e que atualmente podem divulgar as suas atuações usando a Rede, neste caso o YouTube. Este fenómeno não é recente. No filme português de 1938 realizado por Chianca de Garcia – A Aldeia da Roupa Branca – recentemente transmitido na RTP1, é visível a prática generalizada das personagens, nomeadamente as jovens, cantarem as canções mais populares da época copiando os cantores profissionais que também entram na trama desta comédia que retrata muito bem o Portugal atrasado e iletrado de há um século.
No YouTube é possivel visualizar todo o filme (com legendas) em
http://www.youtube.com/watch?v=qdZJbbBL1_8

Na década de 60 surge o fenómeno dos Beatles (e outros cantores) adorados pelos jovens e odiados pela maior parte dos seus pais. A televisão, que então se generalizava, foi uma das forma de transmitir e distribuir estes novos fenómenos sociológicos.

Segundo a Wikipedia (http://en.wikipedia.org/wiki/Beatlemania): during the 6½ years between the appearance of the "I Want to Hold Your Hand" single on the Billboard Hot 100 and the Let It Be LP, The Beatles had the Number One single in the US for a total of 59 weeks and topped the LP charts for 116 weeks. O que teria acontecido se houvesse a Rede de hoje?

É também em 1965 que John Lennon (a principal figura dos Beatles) em entrevista ao Evening Standard afirmou: "Christianity will go. It will vanish and shrink ... We're more popular than Jesus now—I don't know which will go first, rock and roll or Christianity."[ (http://en.wikipedia.org/wiki/John_Lennon). Compreende-se a intensa reação negativa que houve nesta altura em resposta a esta afirmação. Aqui está um exemplo como a autenticidade então (e hoje) é tão relativa.

É também nesta década que surge no Japão o Karaoke (http://en.wikipedia.org/wiki/Karaoke) rapidamente divulgado  nos EUA e noutros países. Desde há anos tenho o hábito, nas férias de verão passadas no Algarve, de frequentar bares com karaoke, onde portugueses e estrangeiros acompanham as suas músicas preferidas (colocadas pelo DJ a pedido) com a sua voz que lê as legendas que vão surgindo no ecrã do televisor. Ou seja fingir faz parte da natureza humana. E quando se sabe que não somos o original não vem mal ao mundo. O problema coloca-se quando pretendemos assumir um papel, uma responsabilidade ou uma ação que é deliberadamente dirigida ao engano, muitas vezes para obter ganhos pessoais ou de grupo que não são legítimos nem eticamente aceitáveis.

P - Quem são estes rapazes? Será que importa sabê-lo? Não são eles precisamente para a rede apenas os «chinese boys» que a rede produziu?

R – Estes rapazes são jovens que pretendem ser conhecidos, como é tão natural terem esta aspiração. E são um produto da Web como há milhares ou milhões a surgirem em cada dia. A sua relevância depende de quem os acede. Uma conclusão é autêntica: ninguém os vai confundir com os cantores originais. São apenas imitadores

P - Qual é, então, a sua verdade?

R – Como são autênticos podemos considerar que são verdadeiros. Não constituem um problema de identificação. Infelizmente a Web está cheia de “personagens falsas”, avatares que muitas vezes provocam problemas graves, principalmente entre as crianças, os jovens e os adultos crédulos. O artigo publicado no Diário de Notícias de13 dezembro 2013 com o título Falsos “amigos” no Facebook”, de Paulo Pereira de Almeida, avança com uma proposta de regulamentação sempre perigosa quando se pensa nos princípios a defender na net (anexo página# 5). Curiosamente as burlas continuam a existir no mundo fora da rede como a notícia de 12 de janeiro deste ano bem documenta (anexo página#6). Este risco de sermos burlados fora da rede é muito significativo tendo em conta que dados recentes documentam que 33% dos portugueses nunca usaram a internet (anexo página #7). Estes apenas poderão ser enganados utilizando as tecnologias tradicionais em que o falar bem e escrever claro são requisitos essenciais à aplicação da prática da burla (como aquelas realizadas pela Dona Branca, banqueira do povo português ou o celebre Madoff da gigantesca burla do subprime norte-americano).

Parte II

P - Quem são e como são verdadeiramente esses outros que encontramos na rede? Que são eles por detrás das máscaras que constroem na rede?

R – Em regra não sabemos bem quem são aqueles que encontramos na rede (e até na rua ou no ambiente profissional). Por isso devemos ser cautelosos nomeadamente em relação ao que é afirmado ou solicitado. Tal como informa o filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas (nascido a 1929) na sua recente conferência na reunião sobre o Livro Digital (que decorreu na Fundação Calouste Gulbenkian a 28 outubro 2013) “… faço um uso bastante selectivo da internet, apenas para fins académicos. Não participo nas redes sociais…” (anexo página#8). Esta atitude, que é a minha atualmente (em vias de migrar para o componente válida destas redes), é uma boa defesa contra os “imitadores amorais ou imorais” que podem invadir a web.

P - Que somos nós próprios na rede?

R – Resposta delicada. Como no Carnaval podemos querer simular ou fingir uma personagem que não somos. Se mantivermos uma atuação profissional, norteada pelos valores e ética ocidentais, seremos nós próprios, sem nos envergonharmos. Se nos enganarmos ou levarmos outros ao engano, pediremos desculpa e assumiremos a responsabilidades dos nossos atos.

P - Somos ou poderemos ser transparentes?

R – Procurei nos dicionários o significado de Autenticidade e Transparência no contexto desta reflexão (anexo, página 2 e 3). A Transparencia significa : “Carácter do que deixa transparecer toda a realidade das coisas, do que exprime a verdade de um facto, acontecimento … sem o alterar”. Gostaria de realçar o conceito da transparência significar que nós não alteramos as coisas, os factos, os acontecimentos. Mas a sabedoria popular diz: “Quem conta um conto acrescenta um ponto”. Na web dos Chinese Backstreet Boys a regra é acrescentar algo, por vezes distorcer ou caluniar. É curioso que Terry Anderson dá uma definição de Transparência (quando fala em Open Access-OA) que é diferente: (anexo página# 4): “The ability to view and share thoughts, actions, resources, ideas and interests of others”. E dentro do espirito do OA podemos (devemos?) alterar aquilo que entendermos.

Mas mesmo numa esfera com códigos de conduta (como a área comercial e de marketing) as manipulações são bem conhecidas. Os anúncios sobre produtos com efeito medicinal que são difundidos na nossa televisão (produtos para a memória, para dormir, para a esfera sexual, vitaminas, etc.) são todos falsos, ou melhor, fazem afirmações que não são verdades ou que não estão documentadas como corretas. Como foi publicado, no Diário de Noticias de 5 de janeiro 2014, as próprias marcas influenciam os estudos científicos (anexo, página#9 ).

Outro exemplo da dificuldade em sermos autenticos e transparentes é o artigo, titulo de capa do semanário Visão (de Lisboa): “Viver Mais e Melhor - O Milagre da Vida “Hi-Tech”. Apesar da fonte poder ser considerada idónea (o semanário Le Nouvele Observateur de Paris) e das afirmações terem todas algum sustentáculo científico, a sua apresentação “simplista” cria expectativas inapropriadas. O aumento da longevidade da espécie humana deve-se mais aos avanços no saneamento basico e às vacinações do que à Medicina Hi-Tech que apenas irá beneficiar uma pequena percentagem da população e com custos operacionais muito elevados.

Numa área mais regulada, como é a da Medicina, podemos dar o exemplo da praxis da Direção Geral de Saúde quando pede a colaboração de peritos para darem pareceres ou participarem na preparação das Normas de Orientação Clínica (NOC) que regem atualmente a prática da medicina clínica. Cada uma destas individualidades deve preencher um documento onde declara por sua honra que não tem interesses em qualquer das seguintes situações (anexo, página#12 ):

1 –Assalariado(a) de qualquer tipo de empresa que se dedique ao fabrico, importação, ou comercialização de medicamentos, dispositivos ou suplementos alimentares nos últimos 5 anos;

2 – Interesses financeiros no capital de uma empresa farmacêutica ou clínica;

3 – Consultadoria esporádica ou permanente, ou atividade pericial, remunerada relacionada com a industria farmacêutica nos últimos 5 anos;

4 – Outros interesses  ligados ou com repercussão no domínio em causa, que considere deverem ser do conhecimento da DGS.

Este é um exemplo da transparência que se pretende introduzir na vida do século XXI.

P -São as imagens que de nós partilhamos autênticas? Que dizem de nós? Tudo? Nada?

R – As imagens retiradas do seu contexto podem ser enganadoras. Por outro a “ferramenta Photoshop” pode alterar cada imagem. Parafraseando Habermas (citado acima)não participo nas redes sociais” exceto nos exercícios que faço integrados neste mestrado. Para quem participa recomendo que exerçam o bom senso e tenham cuidado, incluindo quando ouvem e vêm os Chinese Backstreet Boys.

Parte III

P - Por outro lado, como poderemos assegurar a autenticidade da informação?

R – Este tópico é particularmente atual e de grande importância. Rheingold no seu livro Net Smart, de 2012, tem um capítulo apenas dedicado aquilo que designa por Crap Detection. Resumimos em seguida alguns dos seus conselhos:

  1. Verificar onde está publicado na net, quem são os autores da informação e onde trabalham;
  2. Confirmar o que dizem outros sobre os autores;
  3. Manter uma atitude permanente de ceticismo;
  4. Fazer como o detetive da policia perante um homicidio: os dados e as respetivas explicações são plausíveis?;
  5. Triangular as fontes ou seja procurar mais 2 (ou mais) locais independentes onde seja possivel confirmar (ou negar) a informação;
  6. Mesmo os locais e as publicações de excelente reputação nunca estão 100% corretos.

Eu acrescentaria uma citação de Brigham (1985) que utilizo há muitas décadas:

"I know that half of what I teach as fact", said a wise medical pedagogue "will be proven false in 10 years time. The hard part is that I don't know which half"

Os utilizadores de informação científica anteriores à revolução digital podem testemunhar que estas recomendações aplicam-se quer ao mundo digital quer ao mundo tradicional. O que é bom, já que se pode chegar à conclusão que as boas práticas, neste caso em assegurar a qualidade da informação transmitida, são consistentes, independentemente dos canais de acesso.

P - Pela sua transparência? 

R – A problemática da transparência está intimamente ligada à autenticidade.

P - Quem a valida ou autentica? Quem o poderá fazer? A própria comunidade, a própria rede?

R – Cada um de nós e todos na comunidade que partilham uma dada área do conhecimento humano, o que pode ser designado como “peer review”. Nesta área a pesquisa-organização-publicação do conhecimento beneficia imenso da nova era digital. A ponto de atualmente ser regra haver a possibilidade de escrever um comentário logo que uma informação é colocada ne rede. Tal não era possivel fazer com a estrutura tradicional da impressão apenas em papel.

P - Será pela transparência dos processos de partilha?

R – Neste caso a transparência da forma como a rede e as suas comunidades funcionam é um aspeto muito relevante.

P - Como e em quem na rede poderemos confiar?

R – Em todos e em ninguém (mesmo no self). Uma atitude de ceticismo permanente é muito positiva no mundo da ciência quer em rede quer no formato tradicional. A frase anterior (metade do que ensino é falso mas infelizmente não sei qual é a metade verdadeira) documenta bem o nosso grau de ignorância em relação ao conhecimento e a humildade que devemos praticar para continuar a perseguir o que é menos errado.

P - Como se poderá garantir a qualidade da informação e como se poderá garantir a idoneidade da utilização dessa informação?

R – É a pergunta cuja resposta vale um milhão de euros. Eu diria com persistência e internautas atentos.

Posso dar um exemplo de uma metodologia que tenta assegurar a autenticidade e a transparência da investigação científica que é publicada na web (Anexo página#13):

A 12 janeiro 2014 às 17 h 05 minutos recebi  uma mensagem de uma revista médica informando-me (como co-autor de uma artigo submetido):

This is automatic notification that a submission on which you are listed as an author has been received at the Editorial Office of Clinical Microbiology and Infection.

If you have any concerns about the submission or your role as a coauthor, please contact the Editorial Office immediately, quoting the assigned manuscript identification number.

 

Em conclusão podemos dizer que a Autenticidade e a Transparência nas relações humanas, quer interpessoais, quer lúdicas, quer ainda profissionais, mantém-se como sempre foram. Como afirma Hanna Arndt (2007) em 1951 a verdade é um bem absoluto que não é atingível. Temos de nos manter muito atentos (e desconfiados) e no pouco tempo que dispomos (apenas 24 horas por dia) evitarmos ser profundamente enganados.

 

Referências Bibliográficas

Arendt & Hanna (2007). A Promessa da Política. Lisboa: Relógio D'Água Editores.

Baudrillard, J. (1991). Simulacros e Simulação. Lisboa: Relógio D'Água.

Bortolotti, L. (2013). Introdução à Filosofia da Ciência. Lisboa: Gradiva.

Brigham, K.L. (1985) - On being wrong in Science (correspondence) , New Engl. J. Med. 312:794


Cardoso, G. & Colaboradores (2013). A Sociedade dos Ecrãs. Lisboa: Tinta da China.

Castells, M. (2007). A Sociedade em Rede. (3ª ed.) Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

Deutsch, D. (2013). O Início do Infinito - Explicações que Transformam o Mundo. Lisboa: Gradiva.

Pena, R. & Colaboradores (2012). Como Ensenar Utilizando las Redes Sociales. Tarragona, Espana: Publicaciones Altaria.

Rheingold, H. (2012). Crap Detection 101: How to find what you need to know, and how to decide if it´s true. In H.Rheingold (Ed.), Net Smart. How to Thrive Online (pp. 77-109). Cambridge, Massachusetts: The MIT Press.

Schmidt, E. & Cohen, J. (2013). A Nova Era Digital - Reformulando o futuro das pessoas, das nações e da economia. Alfragide: Dom Quixote.